Parecer conjunto sobre a regulamentação da profissão de Psicomotricista


icone facebook icone twitter icone whatsapp icone telegram icone linkedin icone email

O Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde (FCFAS), composto pelas 14 (quatorze) profissões de Saúde: Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social, Técnicos em Radiologia e Terapia Ocupacional, representados por Leis Federais de caráter autárquicos, normatizadores e fiscalizadores das profissões aludidas em todo território nacional, vem manifestar-se sobre a regulamentação da atividade profissional do Psicomotricista por meio do PLC Nº 74/2018. O projeto encontra-se em tramitação no Senado Federal e além de regulamentar a profissão, estabelece que poderão exercê-la os portadores de diploma de curso superior em Psicomotricidade, bem como graduados nas áreas de saúde ou de educação com diploma de pós-graduação em Psicomotricidade, desde que possuam especialização em Psicomotricidade.

Esclarecemos que a palavra Psicomotricidade surgiu a partir da necessidade da explicação de certos fenômenos clínicos relacionados a transtornos psicomotores inerentes a alterações nas áreas da neurologia e da psiquiatria e baseia-se em uma concepção unificada do ser humano, que inclui as interações cognitivas, sensório-motoras e psíquicas na compreensão das capacidades de ser e de expressar-se a partir do movimento, em um contexto psicossocial. O transtorno psicomotor é uma alteração do continente psíquico, dos distúrbios da representação de si cuja sintomatologia pode se apresentar no somático ou no psíquico.

Na justificativa para a proposição do PLC 74/2018, o autor cita estudos de diversos teóricos que desenvolveram trabalhos nessa área, tais como, Wernick, Le Bouch, Vayer, Wallon, Ajuriaguerraos. Utiliza-se, por fim, dos estudos de Denise Levy para conceituar a Psicomotricidade, que a define como uma “técnica em que se cruzam e se encontram múltiplos pontos de vista e que utiliza os conhecimentos de várias ciências como a Biologia, a Psicologia, a Psicanálise, a Sociologia e a Linguística, (..) que se dispõe a desenvolver as faculdades expressivas do indivíduo”.

Neste ponto, cabe resgatar a definição de Vayer, qual seja a de que a Psicomotricidade é uma ação pedagógica e psicológica que utiliza a ação corporal com fim de melhorar ou normalizar o comportamento geral da criança, facilitando o desenvolvimento de todos os aspectos de sua personalidade sob o ponto de vista do ângulo reeducativo (Vayer; 1977, p. 30). Vayer (1977) salienta que a educação psicomotora, procura ver a criança em sua unidade, sendo que a construção e a educação do esquema corporal, juntamente com a vivência do mundo exterior, são dados fundamentais para que se possa ter um melhor desenvolvimento psicomotor.

Fonseca (2010) pontua que, como ciência, a Psicomotricidade estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e sistêmicas, entre o psiquismo e o corpo, e entre o psiquismo e a motricidade, emergentes da personalidade total, singular e evolutiva que caracteriza o ser humano, nas suas múltiplas e complexas manifestações biopsicossociais, afetivo-emocionais e psicosóciocognitivas.

A leitura cuidadosa dos conceitos citados revela a indissociação entre corpo e psiquismo no uso da técnica da psicomotricidade, campo de estudo particular aos profissionais da área da saúde.
Neste sentido, para que o profissional possa atuar como psicomotricista entende-se necessário conhecimentos específicos do funcionamento psiquíco e sua interrelação com a atividade motora, sendo indispensável que haja uma compreensão global do indivíduo, considerando aspectos de sua personalidade, emoção, aculturação, desenvolvimento, entre outros.
A psicomotricidade, enquanto ciência, é campo de psicólogos, pedagogos, educadores físicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos não havendo necessidade da individualização como um ramo profissional.

Existem ainda incoerências/lacunas que comprometem, de forma insanável, o PLC 74/2018, a saber:

1) Ausência de Formação definidora da área de intervenção profissional: Conquanto o PL indique que podem intitular-se psicomotricista os “portadores de diploma de curso superior de Psicomotricidade”, não detectamos a existência Diretrizes Curriculares Nacionais do Conselho Nacional de Educação para a citada formação, nem tampouco de curso de graduação de Psicomotricidade atualmente em funcionamento oferecendo turmas.

2) De acordo com o PL, somente graduando das áreas de Saúde e Educação estão aptos a realizarem atividades voltadas a psicomotricidade. Há uma lacuna no PL sobre a Regulamentação da atividade do Psicomotricista em seu Art. 2º, inciso II quando descreve que “portadores de diploma de Pós-Graduação nas áreas de Saúde e Educação poderão exercer a atividade de Psicomotricista”. Acontece que, as Especializações em Psicomotricidade oferecidas no Brasil não se restringem apenas os graduados nas áreas de Saúde e Educação, e sim de todas as áreas, não estando aptos profissionais de outras áreas de graduação atuarem como reabilitadores regulamentados como Psicomotricistas devido à falta de conhecimento, habilidade ou competência suficiente para tais atividades. Isto é, profissionais de áreas diversas, se for Pós-Graduado em Psicomotricidade terão seu diploma

de Psicomotricista, segundo o PL em questão, com atividades que somente competem aos graduados das áreas da saúde e educação.

3) Ausência de área de intervenção privativa/específica: O PL não define competências privativas do Psicomotricista, haja vista que as competências descritas podem ser desempenhadas por várias outras profissões da saúde. Não surpreende nesta linha de raciocínio, que o Art. 1º restringe a profissão para a qual se pretende a regulamentação a um “recurso” que pode ser utilizado pelos demais profissionais de saúde, de profissões regulamentadas.

É fato que a suposta regulamentação aumenta gastos no Sistema de Saúde, ao criar uma profissão e consequentemente uma demanda, que deverá ser absorvida, causando grave insegurança jurídica e fragilidade perante a sociedade.

É injustificável a regulamentação de uma profissão que se estrutura à margem de outras plenamente habilitadas para exercê-la. A psicomotricidade tem raízes e aspectos relacionados às mais diversas profissões da área da educação e saúde, portanto passível de ser exercida por profissionais de diversas áreas, tratando-se de uma ação desenvolvida por um ou mais profissionais, uma atividade que deve ser desenvolvida após estudo e como complemento de uma profissão, sendo que Psicomotricidade não é, por si só, uma profissão. Portanto, a Psicomotricidade não pode ser concebida como profissão.

Assim deixamos claro que de forma alguma rechaçamos a atividade e a importância da ação psicomotora, todavia analisando o projeto vemos que a Psicomotricidade é uma prática já existente relacionada ao dia a dia dos profissionais, não havendo razões fáticas, jurídicas, econômicas ou sociais que justifiquem uma nova profissão regulamentada.

As justificativas para a criação devem ser exaustivamente analisadas e debatidas pela Câmara Federal, Ministérios da Saúde, Educação, Planejamento, do Trabalho, órgãos de fiscalização e orientação profissional e sociedade civil de forma séria e democrática, pois impacta as áreas legislativa, de recursos pessoais e financeiros e orçamentários e finalmente na criação de uma nova profissão e as consequências dessa ação. O País não necessita de uma nova denominação ou de novos profissionais para o exercício de uma atividade já suficientemente coberta e atendida pelos profissionais legalmente habilitados.

Em síntese, entendemos que o PLC 74/2018 propõe a reserva de mercado para um segmento específico em detrimento de outras profissões com formação idêntica ou equivalente, bem como desconsidera normativas já vigentes em outras profissões da área da saúde.

Assim, forçoso concluir que os fatos explicitados acima constituem óbices à regulamentação da profissão de Psicomotricidade, pelo que o Fórum dos Conselhos Federais da Área de Saúde (FCFAS) vem se posicionar contrário ao PLC 74/2018.

Clique aqui e leia a Nota Técnica Psicomotricista CRTS

« Voltar