Esclarecimento sobre o novo modelo de financiamento da Atenção Primária à Saúde


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O novo modelo de financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) no âmbito do Sistema Único de Saúde apresentado na Portaria no. 2.979 de 12 de novembro de 2019 e pactuado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), altera a lógica de financiamento da APS no Brasil. Entre as principais alterações está a extinção do Piso da Atenção Básica (PAB fixo e variável) e a adoção da captação ponderada, como critério para a focalização do repasse dos recursos para custeio das equipes da Estratégia Saúde da Familia (ESF) e equipes multiprofissionais em saúde.

Outra alteração advinda da portaria é a revogação das equipes do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), que poderá ocasionar a desmobilização dessas equipes no território nacional, visto os diferentes entendimentos dos gestores municipais sobre o assunto.

O novo modelo contempla o financiamento da Atenção Primária em quatro dimensões: Captação Ponderada, Desempenho, Programas (Incentivo) e Provimentos.

Considerando que a APS deve ser a ordenadora de um modelo de atencão à saúde inter e multiprofissional, comunitaária, territorial, com ênfase na participação social, tanto para o planejamento, quanto para a implementação das ações; no novo modelo, a proposta restringe a APS a serviços biome?dicos e limita o conceito de integralidade a uma lista de servic?os.

A “Carteira de Serviços da Atençãoo Primária à Saúde Brasileira” privilegia o cuidado fundamentado em um modelo de consultas individuais para a resolução de problemas vinculados a algumas doençaas, desviando-se da centralidade do cuidado de base territorial, coletivo e interprofissional. Nas equipes que compõem a APS, a proposta ministerial exclui o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) ao não citá-los na Carteira, mencionando somente as categorias profissionais médicas, de enfermagem e de odontologia. Além disso, nao faz referência aos demais profissionais que poderiam integrar as equipes a partir do matriciamento, assim como não contempla a valorização de açõees que fomentem a integração entre a Vigilância em Saúde e a APS.

O Ministe?rio da Sau?de regulamentou um modelo alternativo chamado Equipe de Atenc?a?o Prima?ria (EAP), composta apenas por me?dico e enfermeiro. A Portaria 2.979 revoga todas as portarias referentes aos Nu?cleos de Apoio a? Sau?de da Fami?lia (NASF) e, portanto, acaba com a induc?a?o do Governo Federal para o trabalho multiprofissional na APS. Ale?m disso, o esti?mulo a? reside?ncia contempla apenas a medicina, enfermagem e odontologia.

Uma das alterações que chamou a atenção está na Estrate?gia de Sau?de da Fami?lia – ESF, eixo norteador da Atenc?a?o Prima?ria no Brasil, que acaba com Piso da Atenc?a?o Ba?sica – PAB fixo, passando a adotar o nu?mero de pessoas cadastradas como crite?rio para focalizac?a?o do repasse dos recursos, essa medida desconsidera as necessidades de sau?de da populac?a?o, as dimenso?es epidemiolo?gica, demogra?fica, socioecono?mica, espacial e de capacidade de oferta de ac?o?es e de servic?os pu?blicos de sau?de em linha com o disposto no Art. 35 da Lei Nº 8.080 e o Art. Nº 198 da Constituic?a?o Federal.

O papel da atenc?a?o prima?ria como servic?o que deve prioritariamente prevenir e promover a sau?de das pessoas, para atender o princi?pio da seguranc?a sanita?ria, que e? a prevenc?a?o de riscos (art. 196 CF), na?o pode centrar-se ta?o somente em pu?blico previamente cadastrado, devendo, sim, ter como meta, a adoc?a?o de estrate?gias que permitam que toda a populac?a?o municipal se sinta pertencente e parti?cipe do cuidado coletivo e individual da sau?de, num compromisso coletivo e democra?tico entre a sociedade e o Estado.

A atual proposta descaracteriza a Estrate?gia de Sau?de da Fami?lia – ESF, cuja resolutividade garantiu a reduc?a?o das taxas de mortalidade infantil, das internac?o?es por condic?o?es sensi?veis a? atenc?a?o prima?ria a? sau?de e dos gastos hospitalares, ale?m de aumentar a cobertura do pre?-natal. O Ministe?rio da Sau?de prioriza o Programa Sau?de na Hora, que reduz a equipe multiprofissional da ESF e valoriza o modelo biome?dico de cuidado fragmentado, correndo-se o risco de organizar as unidades ba?sicas de sau?de a partir da lo?gica das unidades de pronto atendimento.

A composição de cada um dos NASF era definida pelos gestores municipais, seguindo os critérios de prioridade identificados a partir dos dados epidemiológicos e das necessidades locais. O fim do pagamento destinado a?s equipes em funcionamento do NASF poderá repercutir na qualidade da assiste?ncia a? sau?de, dificultando o acesso da populac?a?o ao cuidado integral realizado pelos profissionais da saúde, no entanto, na nova política, o gestor municipal receberá o financiamento para a atenção primária e terá autonomia para formar sua equipe multiprofissional e assim garantir o acesso e assistência à saúde da população.

A partir de 2020, o cálculo para definic?a?o dos recursos financeiros para incentivo para ac?o?es estrate?gicas devera? considerar:

I – as especificidades e prioridades em sau?de;

II – os aspectos estruturais das equipes; e

III – a produc?a?o em ac?o?es estrate?gicas em sau?de.

O incentivo para ac?o?es estrate?gicas contemplara? o custeio das seguintes ac?o?es, programas e estrate?gias:

I-Programa Sau?de na Hora;

II- Equipe de Sau?de Bucal (eSB);

III – Unidade Odontolo?gica Mo?vel (UOM);

IV – Centro de Especialidades Odontolo?gicas (CEO);

V – Laborato?rio Regional de Pro?tese Denta?ria (LRPD);

VI – Equipe de Consulto?rio na Rua (eCR);

VII – Unidade Ba?sica de Sau?de Fluvial (UBSF);

VIII – Equipe de Sau?de da Fami?lia Ribeirinha (eSFR);

IX – Microscopista;

X – Equipe de Atenc?a?o Ba?sica Prisional (eABP);

XI – Custeio para o ente federativo responsa?vel pela gesta?o das ac?o?es de Atenc?a?o Integral a? Sau?de dos Adolescentes em Situac?a?o de Privac?a?o de Liberdade;

XII – Programa Sau?de na Escola (PSE);

XIII – Programa Academia da Sau?de;

XIV- Programas de apoio a? informatizac?a?o da APS;

XV – Incentivo aos munici?pios com reside?ncia me?dica e multiprofissional;

XVI – Estrate?gia de Agentes Comunita?rios de Sau?de (ACS); e

XVII – outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo especi?fico.

Embora todos os esforços do MS tenham se dirigido para a alteração do modelo da assistência à saúde, o governo federal continua sendo o principal definidor da política de saúde no país. Todos os esforços do MS parecem ser dirigidos para a alteração do modelo da assistência à saúde.

No cálculo para fins de repasse do incentivo financeiro será considerada a população cadastrada na eSF e na eAP até o limite de cadastro por município ou Distrito Federal. O limite de cadastro por município ou Distrito Federal corresponde ao resultado da multiplicação do número de suas eSF e eAP, credenciadas e cadastradas no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), pelo quantitativo potencial de pessoas cadastradas por equipe estabelecido no Anexo XCIX, não podendo ultrapassar a população total definida pelo IBGE.

O CFFa acredita que o modelo de atenção deve ser orientador do processo de financiamento. Se o SUS foi criado com base na principalidade da APS, esta deve necessariamente ser guiada por um financiamento compatível à sua expressão conceitual ampliada e não pela fragmentação, isto é, por incentivos financeiros – PAB Variável – que estimulam os municípios a criarem programas que lhes adicionem receita financeira, reforçando o aumento de poder do gestor federal na indução da política de saúde. A partir dessas considerac?o?es, com vistas a aprofundar os debates em torno do modelo da APS que expresse a complexidade da realidade social brasileira em todas as suas dimenso?es, propomos maior atenc?a?o dos gestores, parlamentares, trabalhadores do setor sau?de, usua?rios do SUS e populac?a?o em geral na defesa da atuac?a?o multiprofissional, da importa?ncia da criac?a?o de vi?nculo com os usua?rios para o cuidado longitudinal e integral com efeitos diretos na atenção em função da complexidade das necessidades em saúde da população.

Nessa perspectiva, o Sistema de Conselhos de Fonoaudiologia entende que a aproximação com a Secretaria de Atenção Primária e CONASEMs é essencial para construir e ampliar a atuação da Fonoaudiologia no SUS, e, consequentemente, fortalecer o funcionamento do próprio sistema. Isso implica em uma prática diária integrada às equipes multiprofissionais na lógica de Redes de Atenção à Saúde, conforme preconizado na Lei n° 8.080/90 e na Resolução nº 4279/ 2010. Neste sentido, no dia 10 de dezembro de 2019, o CFFa participou de uma audiência na Secretaria de Atenção Primária à Saúde, com o Dr Lucas Wollmann, Diretor de Programas de APS, sobre a construção desta nova política, garantindo a assiste?ncia fonoaudiolo?gica em todos os níveis de atenção. Entre alguns temas da pauta, destaca-se a carência das evidências dos cuidados fonoaudiolo?gicos no SUS frente à assiste?ncia fonoaudiolo?gica nas especialidades, as experie?ncias exitosas de atuac?a?o da Fonoaudiologia para que possa avanc?ar na produc?a?o e sistematizac?a?o de pra?ticas de cuidado à sau?de que respondam a?s necessidades da populac?a?o, assim como a carência de estudos epidemiológicos em relação aos distúrbios da comunicação na APS.

Este tema também está sendo amplamente discutido no Fórum de Conselhos Federais da Área da Saúde (FCFAS), que agrega 14 conselhos profissionais diferentes. No dia 13/12/19, em Brasília, o FCFAS se reuniu com Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que informou que “Qualquer mudança no que tange a questão do financiamento do SUS é responsabilidade do CNS analisar. Até agora existem muitas dúvidas sobre os impactos dessas mudanças. Não podemos fazer isso sem debate com a sociedade”, criticou. “Devemos unir nossas forças. As nossas questões são as mesmas”, concluiu Sílvia Tavares de Oliveira, presidente do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). Para o início de janeiro de 2020, o FCFAS estará reunido com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Também, está programada para o início de 2020 a reunião com o Dr Willames Freire, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMs).

O Conselho Federal de Fonoaudiologia entende que precisamos de mais informações sobre estas mudanças para fazermos, juntos, as melhorias das condições de saúde em nosso país.

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